Texto fragmento

O texto abaixo foi realizado e lido especificamente para público presente no evento “Exposição” organizado pelo CAPACETE entretenimentos, Prefeitura do Rio de Janeiro e Teatro Ipanema. O evento ocorreu no dia 16 de outubro de 2012, 19h30. Direção de Amílcar Packer, condução de Julien Bismuth e coreografia de Helmut Batista. Fragmento n.º1 é parte do processo do projeto Residência + AULA.

 exposicao teatro ipanema 16 out 2012

exposicao teatro ipanema 16 out 2012

exposicao teatro ipanema 16 out 2012

fotos: grupo jantando no palco e leitura do texto realizado por Daniele Marx no evento Exposição

Fragmento n.º1 para a construção de um diálogo absurdo nos trópicos anuncia:

“Artista residente no exterior há oito anos busca informações sobre seu país.”

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As conversas ocorrem informalmente.

Quase nada sinaliza a possibilidade de um trabalho…

As conversas ocorrem na rua, no ônibus, na casa, no táxi…

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Nada mudou: Segue tudo igual

Nada mudou: Ah o preço do feijão baixou!

Nada mudou: Ah o bilhete único foi a melhor coisa que me aconteceu nestes últimos anos!

Nada mudou: Mas sinto que a miséria diminuiu.

Nada mudou: A única coisa é que agora o país aprendeu a posicionar-se no mercado internacional valorizando os recursos naturais.

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Você sabe que o carioca não é aquele que nasce no Rio, mas aquele que vive no Rio. Aqui tem de tudo: Libanês, Paraibano, Norte-Americano. O carioca é a arte do improviso.

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Ah, mudou sim! Na realidade houve um resgate do espírito carioca que é um jeito de ser.

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O mito do país tropical persiste na mídia lá fora – noticias bizarras circulam:

Brazil in danger of letting a beauty of a boom slip away, Novos seios para o Carnaval do Rio, O maior aterro sanitário da América Latina fecha após 36 anos, Brasileiros protestam durante a cúpula das Nações Unidas sobre sustentabilidade ambiental…

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A matéria intiluda Credicard relata o seguinte fragmento:

“Eu não entendo as pessoas por aqui. Olho para todos os terraços e restaurantes. Como as pessoas vivem aqui?” Estamos no bairro de Copacabana. Imagine Manhattan na praia. As pessoas andam de pés descalços em um centro comercial. O almoço é a melhor hora do bairro. A praia ensolarada, as pessoas seminuas, casais que se beijam ternamente na avenida. Os restaurantes estão cheios de pessoas bonitas comendo e sorrindo. Não há queixas sobre a crise porque não há nenhuma crise aquí (…) O meu convidado da Holanda se surpreendeu. “Eu sempre pensei que o Brasil era um país do terceiro mundo?”

Almoçamos com a minha amiga brasileira Gloria. Ela tem um salão de beleza (…) Ontem o último cliente saiu as dez horas da noite. Há mulheres que fazem as unhas duas vezes por semana.

O Brasil já ultrapassou a Grã-Bretanha e é agora a quinta economia mundial. Todos os dias há dezenove novos milionários (…)

Mas as meninas do salão de beleza do trabalho da Glória ganham menos de trezentos euros por mês. A educação e a saúde são de chorar. Ao menos que se tenha dinheiro para as escolas privadas e clínicas de saúde.

Para o nosso simples almoço pagamos mais de cem euros, mas Gloria já retirou seu cartão de crédito. De qualquer maneira ela vai com a nova tendência no Brasil: tudo a crédito. Quer se trate de passagens aéreas, um carro ou uma televisão: você pode pagar em parcelas, cada mês um pouco. Parece uma questão de tempo antes de todo colapso. Gloria não quer pensar. “Nós não tivemos uma deliciosa refeição? E o sol brilha. Venha, vamos caminhar ao longo da avenida. E aproveitar a vida.”

É certo que a geografia define como tropical as zonas que localizam-se entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio. Mas sabemos que existe uma ciência dos Trópicos, a Tropicologia.

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Por fim no caminho do ônibus um senhor  ainda relata: É entendo como um país tropical aquele sabe… aquele que é abençoado…Sim temos muitas dificuldades por aqui, mas afinal de contas nunca tivemos um terremoto… pede licença e sai do ônibus com uma singular moleza no seu gesto e um sorriso macio.

16 de Outubro de 2012

Teatro Ipanema, Rio de Janeiro

(texto desenvolvido através de fragmentos de notícias da mídia holandesa sobre o Brasil, acessível neste blog em Global Insight, assim como uma série de conversas informais com pessoas residentes na cidade do Rio de Janeiro)